Déficit de caminhoneiros leva Portugal a buscar 2.000 motoristas do Brasil
julho 2, 2019Com déficit estimado de 5.000 caminhoneiros, Portugal tem recorrido cada vez mais a profissionais estrangeiros, especialmente brasileiros, para assegurar seu sistema de transporte de cargas. Dados do setor publicados pelo “Jornal de Notícias” indicam que, no último ano, cerca de 2.000 caminhoneiros brasileiros foram contratados em Portugal, além de outros mil da Venezuela. A dificuldade para contratar esses motoristas -chamados de camionistas em Portugal- é tão grande que empresas oferecem bônus para o recrutamento no exterior.
Acostumada a cruzar a Europa transportando toneladas em carga, Patrícia
Barreira, 43, conta que “não sabia nem dirigir um carro” quando
estava no Brasil. “Trabalhei em loja, fábricas, e só depois fui conhecendo
brasileiros que eram camionistas aqui. Eles começaram a falar para eu e o meu
marido tentarmos”, conta. Patrícia destaca a remuneração e a segurança
como aspectos positivos, embora a rotina de trabalho seja puxada. A curiosidade
dos conterrâneos com a profissão acabou transformando Patrícia e o marido em
youtubers. A dupla alimenta um canal em que relata o dia a dia na estrada, com
vídeos que passam de 500 mil visualizações.
O déficit de caminhoneiros profissionais em Portugal deve-se a uma conjunção de
fatores, especialmente salariais. Enquanto a remuneração base no país é de 630
euros (cerca de R$ 2.800), o valor mais do que dobra em outros vizinhos
europeus, como França e Alemanha. Valendo-se da mobilidade no espaço europeu,
muitos portugueses optam por trabalhar em outros países. Além disso, há um
forte envelhecimento do setor e dificuldade de atrair jovens para a carreira
atrás do volante. A idade mínima de 21 anos, prevista em lei, também é outro
fator problemático para o setor, “um hiato temporal indesejável entre o
fim da escolaridade obrigatória e a possível entrada na profissão”, afirma
a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias,
que congrega mais de 200 empresas do setor.
Além de falarem a mesma língua, os brasileiros contam com outra vantagem: um
convênio bilateral permite converter a carteira de habilitação brasileira em
carta de condução portuguesa. O benefício, no entanto, é válido apenas para brasileiros
que comprovem residência legal em território português. Para carros e motos, a
troca é simples. No caso de veículos pesados -categorias C e D-, é necessário
um curso adicional, exigido em toda a União Europeia. A formação varia entre 30
e 140 horas, dependendo do tipo e do tempo de habilitação do condutor.
Na vizinha Espanha, por exemplo, a conversão da CNH é um pouco mais
burocrática, e os solicitantes das categorias C e D precisam fazer até um novo
exame que ateste a capacidade de condução. As exigências para a atuação no
mercado europeu -que obedece rígidas regras de segurança e regulamentação-
frustram motoristas que chegam a Portugal sem a documentação adequada. É o caso
de um jovem de Goiás, de 26 anos, que pede para não ter o nome revelado. Caminhoneiro
no Brasil, ele embarcou há dez meses com a mulher e o filho de dois anos para
Portugal, motivado por relatos de sucesso em redes sociais. Em situação
irregular no país, o caminhoneiro ainda não conseguiu a carteira de motorista
europeia. Segundo ele, a ideia de que as empresas estão desesperadas por
contratar é ilusória. Haveria, sim, demanda, mas só para quem tem toda a
documentação e o visto em dia.
Em grupos de caminhoneiros nas redes sociais, alguns portugueses se queixam da
presença dos estrangeiros. Para eles, os novos motoristas desvalorizam a
profissão ao aceitarem salários baixos.