Estiagem impacta logística da safra no Rio Grande do Sul
abril 12, 2022Perdas com a escassez de água vão muito além do campo e atingem diversos setores econômicos
Ao reduzir drasticamente as principais safras de verão, sobretudo de milho e soja, a estiagem da virada de 2021/22 vem gerando terríveis impactos negativos que se propagam das lavouras aos setores de transportes, logística, armazenagem e serviços associados ao beneficiamento e à exportação de grãos no Rio Grande do Sul e em outros estados. Dos 67 segmentos da economia brasileira acompanhados pelo IBGE através da matriz de insumos e produtos, 63 estão sendo atingidos pelos efeitos da quebra das safras, afirma o economista Antonio da Luz, da Farsul, que coordenou um estudo sobre as consequências da mais recente catástrofe climática do Sul.
As perdas agrícolas foram estimadas em R$ 31,7 bilhões, valor que deixa de entrar nas contas bancárias dos agricultores, mas quem mais perde são outras cadeias produtivas que dependem da existência de matéria-prima rural. Assim, alcançam R$ 78 bilhões os prejuízos da indústria e dos serviços associados à produção primária gaúcha. Também foram estimadas em R$ 5,9 bilhões as perdas de impostos indiretos. No total, chega a R$ 115,7 bilhões o impacto negativo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul, o que deverá provocar uma queda de 8% no desempenho econômico estadual em 2022.
Com o fracasso das principais safras no Estado – o milho caindo de 4,39 milhões de toneladas em 2020/21 para 2,984 milhões de toneladas na temporada 2021/22; a soja baixando de 20,8 milhões de toneladas para 13,7 milhões de toneladas, segundo o acompanhamento da Conab –, o setor mais imediatamente atingido é o de transportes, que já sofre com o acirramento da disputa por cargas e o rebaixamento do valor dos fretes em 20% a 30% – uma tragédia se levar-se em conta o ciclo recessivo imposto à economia pela pandemia de Covid-19 e o encarecimento do preço do óleo diesel.
Numa estimativa dramática, a Farsul calculou que deixarão de circular 253 mil carretas de 57 toneladas, fenômeno que se reflete na queda do movimento nas fazendas e cidades nessa época de maior agitação no interior. Na esteira da baixa do transporte, também vão se restringindo as compras e vendas a montante e a jusante das atividades agrícolas: já começa a cair o processamento de grãos para fabricação de óleos, farelo e biodiesel; e cairá também a produção de farelo de soja, o insumo mais caro da produção de rações para frangos, suínos e bovinos.
Para muitos, faltam providências do governo federal, o ente mais forte e capaz de tomar medidas para minorar o agravamento da situação dos preços dos alimentos e dos custos de produção das próximas safras. O economista Antonio da Luz, da Farsul, afirmou que considera positiva a saída do governo do mercado de seguro rural, que atende apenas uma parcela dos produtores e cobre apenas uma parte da produção agrícola. Já o agrônomo Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS, reconhece que a quebra das safras é tão grande que está fora do alcance do governo saná-la tanto nos valores alcançados quanto nos prazos requeridos. Em suma, pelas leis do mercado, caberá aos próprios agricultores buscar as saídas.
Situação vivida pelos agricultores é complexa, segundo a Emater-RS
O agrônomo Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS, considera “complexa” (apesar de “não generalizada”) a situação vivida pelos agricultores após a estiagem que afetou com intensidade variada o território do Rio Grande do Sul, formado basicamente por dois biomas distintos – o pampa e a mata atlântica. Enquanto algumas regiões praticamente pouco ou nada sofreram com a escassez de chuvas, houve áreas como em Ijuí e arredores em que as colheitas de soja e milho foram quase nulas, uma catástrofe que só pode ser comparada à ocorrida em 2005, essa sim mais abrangente territorialmente.
Mesmo assim, a Conab estima que o rendimento médio da safra nacional de soja vai ficar em 3.016 kg por hectare, um resultado razoável. No Rio Grande do Sul, onde 88 mil produtores de soja e 98 mil de milho perderam parte da produção esperada, o problema está na dimensão do estrago. “Um saco a menos de soja em cada lavoura gaúcha significa um prejuízo que vai se refletir em outras atividades”, comenta Rugeri, salientando que a hora não é de olhar para trás, pois o pior da estiagem já passou: “Nós precisamos olhar para a frente, pois o futuro se anuncia muito difícil, particularmente para o agricultor familiar”. Esse não tem outra saída senão ser eficiente na gestão, já que não dispõe de terra ampla nem de recursos financeiros para bancar a volta por cima, como acontece com os grandes produtores favorecidos pela possibilidade de recuperar-se por meio da escala de produção.
Nesse contexto em que as colheitas ainda não terminaram e já se anuncia o encarecimento dos insumos de produção dos próximos plantios – trigo e culturas de inverno; segunda e terceira safras de milho –, os técnicos consideram que é muito cedo para saber quantos agricultores foram abalados irremediavelmente pela estiagem. Sem dúvida, na pior situação estão os sojicultores e os produtores de milho, mas já não existem monocultores no Estado. Quem cultiva soja ou milho também planta arroz ou trigo e cria gado. Ou tem árvores madeireiras em ponto de se transformar em capital de giro, de tal forma que a própria dinâmica da economia rural abre brechas para que uns e outros sobrevivam por meio da policultura.
Significativamente, parecem a salvo da intempérie os que enveredaram por alguma atividade agroindustrial. “Esses puseram os ovos em mais de uma cesta”, diz o diretor técnico da Emater, citando os resultados obtidos em março por agroindústrias familiares na Expodireto, em Não-Me-Toque, quando o volume de suas vendas superou as expectativas mais otimistas. Esse tipo de experiência positiva poderá ser novamente observada no final do inverno de 2022 na Expointer, em Esteio, onde a agroindústria de base familiar vem batendo recordes de participação e de vendas a cada ano.
No interior, caminhões estão parados à espera de carga
Com 18 mil associados em 150 municípios, o Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de Ijuí está apreensivo com a situação. “O sindicato não põe carga nos caminhões, mas administra os conflitos entre caminhoneiros e fretadores”, diz o presidente Carlos Alberto Litti Dahmer, 57 anos, no cargo desde a fundação do sindicato em 2009. Para ele, trata-se de um dos momentos mais difíceis da história do transporte rodoviário de cargas.
“Estamos cansados de esperar compensações do governo federal”, admite Dahmer, lembrando que a frota nacional de três milhões de caminhões é composta por uma maioria de motoristas autônomos, aqueles que podem ter até três caminhões no próprio CPF, embora setor seja dominado politicamente por empresas de grande porte cujos CNPJs podem comportar milhares de veículos. Nesse meio pouco transparente, o que se sabe é que as cooperativas de transportes possuem 10% da frota nacional de caminhões. E não são simples caminhões, são carretas, jamantas e bitrens.
Voltada 100% para o agronegócio, a ValeLog, cooperativa de transportes fundada em 2007 em Arroio do Meio, no Vale do Taquari, está sendo afetada pelo vazio frentista, mas tem saúde suficiente para atravessar a crise sabidamente transitória. “Esta é a época em que sempre desfrutamos dos fretes mais gordos”, lamenta o presidente Adelar Steffler, reeleito em março para um novo mandato de quatro anos. Orgulhoso do desempenho recente da empresa – o crescimento do faturamento de 47% em janeiro caiu para 27% em fevereiro e se reduziu para 13% em março – ele teme que os próximos meses possam ser difíceis.
Com uma frota de 187 caminhões de 32 a 50 toneladas que rodam em média de 5 mil a 11 mil quilômetros cada um, a cooperativa está momentaneamente levando arroz para Minas, de onde seus caminhões voltam carregando rações animais. Com a queda da produção de seus clientes produtores de milho e soja no Sul, boa parte dos sócios da cooperativa passou a operar temporariamente nos estados do Centro-Oeste.
No entanto, Steffler lembra que a situação da Valelog está longe dos problemas sofridos durante o auge da pandemia por transportadores de passageiros, veículos, móveis e outros setores. A Vale Log possui uma centena de associados e meia centena de funcionários, alguns deles operando numa base intermediária estabelecida em Cascavel, PR.
Fonte: Jornal do Comércio