Tempos de crise são plenos de oportunidades, diz especialista em inovação
dezembro 9, 2020Em entrevista, Roger Spitz, CEO da Techistential e presidente do Disruptive Futures Institute, fala sobre momentos de disrupção e o futuro próspero que a integração entre modais pode proporcionar ao transporte
Com ampla experiência em aquisições e fusões de bancos de investimentos, o sul-africano Roger Spitz deu um passo rumo ao futuro, ou melhor, rumo ao futurismo, área na qual se tornou um destacado consultor. Atualmente estabelecido em São Francisco, Califórnia, ele trabalha para captar tendências e traduzi-las para o mundo corporativo.
Nesta entrevista exclusiva para a Agência CNT e para a revista CNT Transporte Atual, ele compartilha sua visão otimista sobre os momentos de disrupção. Entusiasta da ficção científica, ele alerta para o valor do pensamento especulativo, recurso que, cada vez mais, deverá ser incorporado ao plano de ação das empresas.
Sobre o setor de transporte, Spitz pinta um quadro surpreendente, em que a integração multimodal será a regra – e os veículos autônomos circularão integrados por uma “inteligência central”.
Revista CNT | Os momentos de disrupção trazem oportunidades para quem empreende?
Roger Spitz | Acredito que sim. Em tempos de extrema instabilidade social, política ou econômica, paradoxalmente, os líderes conseguem fomentar a inovação, já que manter o status quo deixa de ser uma opção. Durante as crises, a velocidade e a escala da mudança aceleram ainda mais. Para se manter relevante, competitiva e “à prova de futuro”, toda organização precisa inovar e se antecipar. Você tem a oportunidade de identificar e preencher um “espaço em branco” com ideias novas. Algumas das mais bem-sucedidas companhias atuais começaram em tempos de crise (WhatsApp, Venmo e Uber foram fundadas em 2009, por exemplo). Eu gostaria de encorajar todos a enxergarem aí uma oportunidade. Sob uma perspectiva filosófica existencialista, na qual o indivíduo é um agente livre e responsável por seu próprio desenvolvimento, (a disrupção) é uma ótima notícia. Estou curioso para ver como a mentalidade engenhosa do brasileiro vai combinar força e inspiração para iniciar um movimento de renovação.
Revista CNT | Quão diferente será o mundo pós-pandemia?
Roger Spitz | Está ocorrendo uma aceleração do “mundo Vuca” (acrônimo de origem militar para volátil, incerto, complexo e ambíguo), em que surgem outros paradigmas igualmente importantes para o futuro e que permearão todos os aspectos das nossas vidas. São eles: “convergente”, “exponencial” e “liminar”. Chamaremos essa ampliação de “mundo Vucacel”. Em primeiro lugar, “convergente”: a partir das sinergias entre digital, biológico e físico, haverá uma revolução no modo em que as organizações geram valor. Tudo o que puder ser automatizado ou desintermediado será. Diferentes setores serão transformados radicalmente. Em segundo lugar, “exponencial”: a inclinação humana para a linearidade encontra dificuldades em processar tendências exponenciais. Muitas das tecnologias que hoje se desenvolvem, aos poucos, transformarão radicalmente a indústria. A economia como um todo será afetada, assim como o significado de trabalho. Mais do que extrapolar o passado por meio de predições lineares, a humanidade deve se preparar para um mundo exponencial. Por fim, “liminar”: as fronteiras estão sendo borradas. Humano ou geneticamente modificado? Normal ou novo normal? Vida real ou realidade artificial? Natural ou artificial? Verdadeiro ou fake? O “intermediário” está em plena expansão.
Revista CNT | Qual é a importância do passado para a inovação? É possível avançar sem olhar para trás?
Roger Spitz | Para compreender as mudanças trazidas pelos impactos transformativos, caso da inovações disruptivas, nós precisamos ser capazes de identificar e relacionar os padrões que antecipam essas mudanças. Adotar uma perspectiva histórica é especialmente importante para a interpretação desses sinais e padrões. Fontes, recortes temporais, formatos de mudança são consultados. Como escreveu Sohail Inayatullah: “A macrohistória, por meio da delineação das estruturas da história (das causas e dos mecanismos da transformação histórica; da investigação do que muda e que se mantém; da análise das unidades da história; e da apresentação dos estágios da história) fornece a estrutura a partir da qual se prevê e se conhece o futuro”. Ao ler Calota Perez, também podemos ver alguns paralelos entre os ciclos de revolução tecnológica e os ciclos financeiros, sendo que cada ciclo compreende entre 50 e 60 anos. Por exemplo, temos uma era das ferrovias, do aço e da eletricidade, bem como uma era dos automóveis e da produção de massa. Consideramos que a inovação disruptiva explica melhor os padrões mais recentes de mudança histórica. Portanto, sim: deve-se ter um senso de passado e história. Steve Jobs tem uma frase famosa: “Você não consegue ligar os pontos olhando adiante; só consegue ligá-los olhando para trás. Então, você precisa confiar que, de algum modo, eles se conectarão no futuro”.
Setor público ou privado: qual está mais apto a inovar?
Não acho que inovação seja algo limitado por qualquer geografia, tipo de organização ou estrutura. Contudo, pensamento de longo prazo e alinhamento são, sim, dois requisitos. Estar na crista da próxima grande onda exige alinhamento holístico dos ecossistemas, para que haja investimento e reflexão de longo prazo, com o suporte institucional, acadêmico e governamental adequado. Assim, o Brasil precisaria de uma estratégia multifacetada para ganhar escala em um sistema abrangente de inovação, que incluiria academia, governo, startups, indústria em sentido amplo e parceiros internacionais. Muitas agências públicas teriam de desenvolver seus próprios modelos de inovação, em conjunto com soluções em educação baseadas em tecnologia. O sistema educacional como um todo precisa ser repensado, inclusive para assegurar que o Brasil produza engenheiros o suficiente, além do mindset adequado para a criatividade. Então, é hora de mirar em ações e resultados que conduzam ao empreendedorismo e à inovação. O Brasil precisa de um senso de urgência: precisa começar o quanto antes e ir acelerando, avançando com iniciativa, aperfeiçoamentos e tenacidade. É preciso acreditar que se pode surfar no caos da mudança. Vejamos o case de Israel, país que é líder mundial em inovação de ponta e no qual o setor público tem um papel decisivo. A Força de Defesa Israelense é um celeiro de talentos e uma potência em inovação. Eles tiveram a visão de transformar suas unidades de elite em quase incubadoras/aceleradoras de tecnologias de ponta, ao mesmo tempo em que evitaram, deliberadamente, intervenções indevidas que pudessem sufocar o empreendedorismo. Israel tem esse modelo único, essa estratégia inovadora, que fornece levas constantes de estudantes brilhantes e que põem a mão na massa, alimentando o ecossistema.
Revista CNT | Devemos estar atentos a quais tendências? Experiências imersivas, por exemplo?
Roger Spitz | Vamos ter de dar uma olhada mais de perto no tema “convergência”. Da convergência exponencial emergirá a fusão entre digital, biológico e físico. O que acontece quando você tem a convergência e a difusão de sinergias digitais com a 5G e a internet das coisas (IoT), com sensores, realidade aumentada, realidade virtual, realidade mista e inteligência artificial? E o que acontecerá com a inteligência artificial e o machine learning a partir do processamento de linguagem natural (natural language processing) e da interface computacional cerebral, que viabilizará a comunicação de cérebro para cérebro? Quando você combinar essa interface com as tecnologias vestíveis (wearables), poderá ver, ouvir, sentir remotamente – e até mesmo sentir cheiros digitalmente. Então, a partir de tudo isso, o que teremos é um mundo com teletransporte digital, em que poderemos, em teoria, viajar no tempo. Agora vejamos como essa imersão deverá ser. O conceito está se deslocando do modelo “direto para o consumidor” (D2C) para “direto para o avatar”. O D2C é baseado em bens físicos. Que tal agora estarmos em um “metaverso” aberto, parcialmente derivado do universo dos games? Que tal um mundo aberto e “jogável”, com a presença de mercados que hoje já contam com um terço da população, essa que investe uma parte significante do seu tempo livre no mundo virtual? É aí que veremos a venda de roupas digitais, “peles” digitais, toda sorte de acessórios digitais nesse metaverso. Essa tendência sobre a qual estamos falando não é fruto da pandemia. Simplesmente, resulta da convergência, das mudanças exponenciais, de novos hábitos societais e do desenvolvimento da inteligência artificial. Estamos caminhando em direção a economias mais circulares, nas quais a inteligência artificial acessa cada vez mais dados – bilhões e bilhões de bytes sendo emitidos sem parar, direta ou indiretamente, por cada um de nós.
Revista CNT | O senhor defende que a ficção científica tem um uso estratégico no mundo Vuca. Como as empresas podem se beneficiar com essas narrativas?
Roger Spitz | Inovadores de verdade buscam horizontes mais amplos e reconfiguram as percepções para especular novos produtos e tecnologias, com poucas barreiras financeiras ou tecnológicas que venham a dificultar a criatividade. No exercício de previsão futurística, a ficção científica serve como um poderoso catalisador para suspender a descrença, ao passo que os gestores habituados a operar como se o mundo fosse linear, estável e previsível tendem a usar estratégias de análise na hora de planejar seus próximos passos. De forma semelhante, agem os acionistas, que tendem a resultados quantificáveis, a ciclos de investimento previsíveis. Todas essas são estratégias que subestimam a imaginação em detrimento da inovação. Em vez de dar um salto no desconhecido, empresas tradicionais tipicamente se apoiam em consultores de estratégias e análises do tipo bottom-up. Porém, esse tipo de análise de risco tem um limite. No mundo Vuca, extrapolar o futuro a partir do passado pode trazer resultados terrivelmente imprecisos. Com frequência, vale mais dedicar um tempo à ficção científica – especulando e procurando responder criativamente – do que a algoritmos regressivos. A primeira atitude leva à imaginação do “inimaginável”, ao passo que a segunda falhou, por exemplo, em prever a pandemia. Na ficção científica, é possível imaginar e considerar não apenas novas percepções mas também produtos e tecnologias. Por meio do processo criativo, escritores de ficção científica permitem o pensamento de sistemas em alto nível e o reconhecimento de implicações de segunda ordem, como, por exemplo: protótipos visuais de designs teóricos; implicações culturais da tecnologia; os diversos impactos das narrativas; uma plataforma para debates éticos.
Revista CNT | No universo dos negócios, o que significa ser “antifrágil”?
Roger Spitz | Sistemas antifrágeis são aqueles que se beneficiam com choques e desordem. Eles criam alternativas ao inovar; abraçam o risco e a aventura; adotam estratégias fluidas e adaptativas; descentralizam a tomada de decisões. Em contraste, as organizações “frágeis”, hipereficientes no mundo atual, são rígidas e, portanto, vulneráveis ao choque. Fazendo um paralelo com o livro de Nassim Nicholas Taleb (“Antifrágil”, 2012), sistemas frágeis são danificados pela desordem. Para eles, há mais desvantagens do que vantagens nos choques. Já os sistemas antifrágeis não quebram – eles se fortalecem. O Vale do Silício, por exemplo, responde bem à pressão. O mindset maleável e experimental deles permite encontrar soluções rapidamente. Muitas empresas são frágeis por terem adotado a cartilha estratégica da otimização e da hipereficiência, tendo como base um mundo supostamente linear e previsível. Diante do caos, eles “travam”. Se a gente quiser se manter relevante (ou seja, não delegar para as máquinas as tomadas de decisão), teremos de criar uma rede social e econômica que seja inovadora e que se fortaleça sob estresse.
Revista CNT | Que habilidades devemos cultivar se quisermos nos manter atualizados?
Roger Spitz | As crianças que hoje vão à escola terão empregos que sequer existem. Precisamos mudar o sistema de educação baseado em conhecimento, que recompensa os estudantes que repetem as respostas certas para problemas já conhecidos. Precisamos reconfigurar a educação em torno das deficiências, medindo erros, e não acertos, encorajando a imaginação, desafiando convenções, ficando à vontade com a ambiguidade, a incerteza e a complexidade. A escola deveria ser um lugar de experimentação, no qual o erro é permitido, porque é assim que se aprende. (É preciso) imaginar, ser curioso, ler ficção científica. Em um mundo em transformação exponencial, o pensamento linear de curto prazo é uma ameaça à civilização. O melhor a se fazer é manter um olho no futuro e aceitar a permanência da mudança. Também se pode pensar em termos de múltiplas carreiras: manter-se em aprendizado constante, e não apenas se especializar mas também cultivar interesses amplos. Estamos pensando em cem anos de vida. Por fim, em um mundo complexo, sem respostas prontas, a interdisciplinaridade tem importância-chave. Pessoas com carreiras em “T” (T-shaped profiles), que combinam expertise profunda com experiência abrangente, poderão colaborar de modo fecundo, ajudando a criar novas combinações. Todavia, no futuro, precisaremos mais e mais dos novos generalistas, aqueles com perfil em “X”, capazes de unir as pessoas em torno de um sonho.
Como fica o ser humano diante de todo o desenvolvimento da inteligência artificial? Sentir-se obsoleto é uma questão dos nossos tempos?
Até então, os humanos foram imbatíveis em tomada de decisão, mas isso não significa que essa vantagem comparativa se manterá necessariamente. Ao passo que o mundo e os sistemas se “complexificam”, surgem opções para o futuro quanto à tomada de decisão. A primeira delas tem a ver com a capacidade de o ser humano se aperfeiçoar na tomada de decisões, tornando-se mais e mais AAA (antecipatório, antifrágil e ágil), de modo a continuar agregando valor a sua parceria com as máquinas. Aqui, a inteligência artificial fornece insights para decisões mais informadas e revela novas oportunidades sem, necessariamente, substituir os humanos. Em outro cenário, o ser humano falha em se adaptar a um mundo cada vez mais complexo e se vê marginalizado ou substituído no processo-chave de tomada de decisões, que pode ser inteiramente retirado de suas mãos. Pode ser que haja virtudes em um futuro em que nos seja retirado o peso das tarefas repetitivas e banais, assim como a pressão e a responsabilidade que envolvem as decisões. Contudo, isso levanta esta questão: será essa uma posição em que escolhemos estar na cadeia de valor ou ela está sendo imposta a nós? Sem dúvida, é uma questão existencial, visto que a pressão evolucionária determina que apenas os melhores tomadores de decisão sobreviverão. Se não redesenharmos nossa educação para formarmos mais líderes do tipo AAA, poderemos ser preteridos nesse processo.
O senhor poderia explicar a ideia de adotar o “modo beta” nas nossas vidas?
Sim, “modo beta”, como se houvesse bugs a resolver – alguns deles conhecidos, mas outros não. O mundo Vuca precisa de testes, experimentos, improvisos, invenções, investigação, já que não existem respostas prontas para os nossos “desconhecimentos desconhecidos”. Não se trata só de velocidade, de mudanças rápidas; é todo um mundo novo de complexidades e atores interconectados. Portanto, o “modo beta” é um convite à curiosidade, à inovação e, especialmente, à experiência com sistemas adaptativos complexos. É nesse sentido que traçamos um paralelo com softwares em fase beta de testes. Pela abordagem existencialista, quando um problema surge, nossa própria essência se revela por meio das nossas escolhas e decisões. No caso do software beta, nós definimos nossa essência à medida em que os problemas emergem; e nós os submetemos à nossa grade de resolução, com flexibilidade para administrar crises e calibragem dos nossos comportamentos. Agindo assim, ajustamos o rumo com base no que foi observado e aprendido. Isso se contrapõe ao modo de lidar com as coisas baseando-se em parâmetros predeterminados, nos quais tudo funciona perfeitamente, de modo previsível, estável e linear – mas esse não é o mundo Vuca em que vivemos.
Revista CNT | Como futurista, que insights o senhor traria ao setor transportador?
Roger Spitz | Apesar da pandemia, as principais tendências em transporte se mantiveram. A necessidade de meios de deslocamento ambientalmente amigáveis, resilientes e confortáveis vai perdurar e se reafirmar. Na próxima década, veremos subir as vendas de veículos elétricos, até chegar a um quarto de todos os carros comercializados, em grandes mercados, como a China. Em dez anos, os veículos autônomos também estarão nas ruas. Na década de 2020, veremos mais transformações no produto carro do que vimos nos últimos 50 anos. Quanto ao setor de transporte, destacarei oito tendências. A primeira diz respeito ao trabalho remoto e à educação a distância, que afetarão o setor nos próximos anos. O tráfego poderá ficar menos congestionado, e o transporte público também poderá ter um declínio na demanda. Em segundo, viagens em alta velocidade. Uma variedade de trens e cápsulas de transporte estão sendo desenvolvidas para alcançar velocidades impensáveis. Isso revolucionará os deslocamentos entre cidades, com impactos, inclusive, no mercado imobiliário. O abastecimento por sistemas de alta velocidade permitirá o transporte de bens críticos, como certos materiais médicos e alimentos, o que terá impacto em situações de emergência e desastres. Em terceiro, a mobilidade como serviço (MaaS, na sigla em inglês). É o conceito de serviço de transporte sob demanda e personalizado. Os aplicativos de MaaS estarão aptos a fornecer informação em tempo real, sobre lotação, frequência da limpeza do transporte público, estimativa de duração da viagem e riscos envolvidos. Em quarto, a transformação do turismo. Os temores relacionados à pandemia podem ter um impacto duradouro no modo como viajamos durante as férias. Viagens de negócios também tendem a decrescer graças às possibilidades do trabalho remoto. Em quinto, veículos autônomos. A proliferação global de veículos autônomos é esperada para 2040, e o valor dos produtos e serviços agregados, incluindo a economia de tempo e recursos, pode alcançar US$ 7 trilhões por volta de 2050. Com o fim das medidas de distanciamento, as redes integradas de mobilidade pública e privada podem experimentar um aumento de demanda em resposta às transformações nas necessidades dos passageiros. O advento dos veículos autônomos nos levará a um software centralizador de controle de tráfego. As razões para isso são muito pragmáticas: evitar batidas causadas pelo conflito de algoritmos de diferentes fabricantes. O papel da IA será vital para um sistema adaptativo que contemple tanto as necessidades humanas quanto aquelas do transporte de cargas. Em sexto, o espaço público repensado. A proliferação de veículos autônomos e de serviços de viagem compartilhada vai reduzir tremendamente a necessidade de estacionamentos, o que vai liberar espaço para outros empreendimentos. Materiais sintéticos permitirão iluminar as avenidas: uma substância que absorve energia solar durante o dia e, à noite, se torna luminescente. Com vias mais bem iluminadas, a segurança de tráfego progredirá. Em sétimo, a geração de eletricidade. Diversos países estão testando painéis solares em suas rodovias, que poderão oferecer incremento significativo à produção local de energia renovável. Servirão, por exemplo, para recarregar os veículos elétricos que estiverem rodando. Por último, um transporte ainda mais verde movido a hidrogênio. Hidrogênio é o combustível ideal do ponto de vista ambiental e climático porque é livre de poluentes e disponível em abundância. Porém, ainda há vários desafios para o seu uso como fonte de energia. Ele precisa ser “fabricado”, e esse processo requer uso intensivo de eletricidade, que é produzida com a queima de combustíveis fósseis. Estocá-lo e transportá-lo pode ser perigoso, uma vez que é explosivo. Se o seu uso se tornar economicamente viável, revolucionará o transporte.
O senhor tem conexões fortes com o Brasil. Que possibilidades o senhor enxerga para o país?
Vou apontar seis potenciais. Em primeiro, caos ou balagan, palavra que os israelenses usam para definir a mentalidade de crianças, empreendedores e inovadores, que desconsideram o “impossível”. O país tem escala para alcançar outros estágios como líder mundial em inovação e tecnologia, puxado pela sua população de mais de 200 milhões de habitantes. Aéreas como IA demandam dados e escala. Gostaria de ver os brasileiros adotando mais e mais um mindset balagan, a começar pela área de educação. Em segundo, AgroTech. Como produtor de café, cana de acúçar, carne bovina, etanol e soja, o país tem sua liderança em AgroTech, com centenas de startups, aceleradoras e incubadoras. Um exemplo disso é a Solinftec, que recentemente levantou R$ 60 milhões oferecendo produtos de software-como-serviço (SaaS), incluindo uma plataforma de IA chamada Alice, que ajuda fazendeiros a otimizarem suas operações com redução de custos e do impacto ambiental. Em terceiro, FinTech. O país é uma usina de FinTechs graças à confluência de forças que criaram um ambiente fértil para a inovação em serviços bancários, tecnológicos e corporativos (eWallets, eCommerce, formas de pagamento etc.). Graças à disseminação dos smartphones e da internet, dois terços dos brasileiros são consumidores em potencial desses serviços. Em quarto, mídias digitais. O Brasil está revolucionando as plataformas sociais e o conteúdo feito por usuários graças a uma das maiores e mais criativas bases de usuários da internet. Isso pode ser visto na posição em que o país ocupa nos rankings do Facebook, do Instagram, do YouTube, da Netflix, do WhatsApp e do Pinterest. A publicidade digital não para de subir. Em quinto, inteligência artificial. O país tem sido esperto na aplicação da tecnologia, com uso de dados e com escala, nas áreas em que já era forte, como logística, AgroTech, FinTech, eCommerce, mídias sociais e mídias digitais. Essa é uma área de real potencial para o país. Em sexto, infraestrutura. Pode o país elevar as apostas em infraestrutura, energia e atendimento de saúde? O Brasil tem o suporte de investidores de Venture Capital em startups e centros de pesquisa e desenvolvimento (R&D), incluindo boas relações com líderes em inovação baseados nos EUA, em Israel e na China, o que ajuda a criar um círculo virtuoso para o mindset adequado. Sem dúvida, ver o Brasil como “próxima grande coisa” em escala global exige um alinhamento em muitos ecossistemas, incluindo o institucional, o acadêmico e, é claro, o governamental. Para ganhar escala em áreas como inovação, o país precisa de uma estratégia de alinhamento multifacetada. A educação como um todo precisa ser repensada, do contrário não haverá mentes criativas o suficiente. Tem que acreditar que é possível – e ter senso de oportunidade para pegar a onda certa no olho da mudança.
Fonte: CNT – Por Gustavo T. Falleiros